sábado, 30 de dezembro de 2017

Europa: a necessidade de definir e identificar nacionalismo e populismo




A situação na Catalunha deixou-me perplexa. Tratou-se de um movimento nacionalista? A necessidade de soberania? Um ímpeto de rebeldia republicana?
Porque é que vemos comunidades dentro de países europeus a querer reanimar uma identidade própria?
Se perspectivarmos esta comunidade num plano mais alargado começamos a compreender a insatisfação actual dos europeus.

A forma como a CE e o Eurogrupo responderam à crise financeira de 2008 criou um enorme fosso entre as instituições e os cidadãos.
Depois de terem facilitado o comportamento irresponsável dos bancos, logo que a bolha estoirou, impuseram aos governos dos países, sobretudo os do sul, constrangimentos com consequências que nunca pensámos ver na nossa geração: famílias sem casa, níveis de pobreza, trabalho precário e escravo, etc.
A Grécia ainda sofre na pele esses constrangimentos, apesar de, em referendo, ter escolhido permanecer na Europa.

O que podemos, para já, identificar é a perda de confiança dos cidadãos nas instituições europeias e nos governos dos respectivos países.
O único país europeu que está a antecipar-se aos desafios de possíveis rupturas anunciadas é a França. Nesse sentido Macron é um visionário, um futurista, qualidade rara nos políticos actuais. O seu movimento "En Marche" é inovador, com forte implantação cívica, o que cria e fortalece laços comunitários e responsabiliza os próprios cidadãos. A sua perspectiva de Europa é a de uma Europa possível, mas que ainda não construímos.
Macron e "En Marche" mostra-nos o que é evidente: temos as tecnologias ao nosso dispor, só nos falta uma nova cultura.

As instituições e os políticos mantêm esta ilusão de que as pessoas esquecem como sempre esqueceram, e que em breve, se lhes voltarem a dar um rebuçado, voltam a votar nas mesmas fórmulas mantendo-os no poder.
Acontece que a informação e a comunicação já não lhes está subordinada, os cidadãos podem informar-se e comunicar entre si, e há registos, textos, vídeos.
A influência dos media tradicionais está a perder-se, os cidadãos já questionam os próprios media, sobretudo a televisão.
E como os políticos não são bons a antecipar desafios e a adaptar-se às novas realidades, reagem invariavelmente com a frase defensiva: aí vêm os populismos...

Vamos então definir populismo: aquelas promessas eleitorais para não cumprir; apresentar um programa e aplicar outro; festas e arruadas, em vez de reflexão e debates; outdoors de sorrisos forçados que só poluem visualmente; marketing superficial e inócuo.
O populista apresenta-se aos cidadãos como o herói que está do seu lado e que o vai salvar (ex.: desemprego, insegurança, etc.), apontando o dedo aos seus "inimigos", os responsáveis pela sua situação (ex.: imigrantes, o governo anterior, etc.).
Identificamos Trump, mas também o Brexit, os nacionalismos, e a generalidade dos políticos dos partidos tradicionais. 
Le Pen exemplifica o nacionalismo na base do populismo, a França alucinada (isto é, que só existe na cabeça de um grupo reduzido de pessoas), quando teve uma economia forte, uma liderança forte, no caso será De Gaulle. 

O antídoto para o populismo é a transparência e a responsabilidade. A abertura à participação cívica.

Quanto ao nacionalismo, se já foi útil bater nessa tecla, hoje já não vibra nos neurónios muito mais alerta e desconfiados dos potenciais eleitores.
Na Europa podemos mesmo dizer que já não faz sentido apelar a esse "orgulho nacional". A nossa defesa e resistência aos condicionalismos das instituições europeias já não se resolvem dividindo-nos, mas unindo-nos.
A Europa possível ´é aquela que construirmos, porque a actual está a desintegrar-se. Só as instituições não percebem. Ao próximo abanão financeiro, e vai haver um abanão financeiro, as respostas vão ser invariavelmente idênticas às de 2008 em diante, porque os políticos não aprendem nada e muito menos sabem antecipar-se e prevenir o pior.

Catalunha surge numa fase de transição de uma Europa de países condicionados para uma Europa de regiões e comunidades autónomas. É essa a tendência lógica. Não serão autonomias formais, políticas, mas económicas e culturais. Não terão fronteiras rígidas mas flexíveis. São fluxos de trocas de informação, de colaboração, que se cruzam num mapa mais amplo.
Se o que se passa na Catalunha é um movimento nacionalista, está fora do seu tempo.
Se é uma necessidade de soberania, juntem-se ao clube, Todos os países condicionados por Bruxelas sentem a mesma necessidade de voltar a ter algum controle sobre o seu futuro económico.
Se é uma rebeldia republicana, olhem para Portugal. Formalmente é uma república, culturalmente é um reino. Formalmente mantém uma elite influente (o sucedâneo da corte real, nobreza e clero próximos do Rei), culturalmente só respeita a ligação ao Rei na fórmula Rei-Povo, sem intermediários. O actual Presidente, pela sua própria personalidade, adaptou-se na perfeição a esse papel.
A fórmula que Catalunha precisa é a que for mais interessante para se antecipar, como região autónoma, aos desafios financeiros e económicos, e depois políticos (CE, BCE, Eurogrupo, etc.) que se avizinham.



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