quarta-feira, 19 de março de 2014

Liberdade: duas perspectivas

Uma das coisas que mais me fascina é a diversidade e a complexidade das perspectivas sobre conceitos como a liberdade. Quando se debate a liberdade, surgem logo equívocos culturais de que ainda não nos conseguimos libertar. E depois, há ainda os diversos patamares de liberdade: de expressão, de defesa, de reclamação, de reivindicação, de participação, de decisão, etc. Vejam só qual o patamar em que hoje podemos exercer a liberdade democrática, a liberdade de expressão. Os outros patamares são-nos vedados, a começar pela ausência de informação fidedigna sobre questões que nos dizem respeito.

1 - Numa sociedade narcisista como a actual, individualista e competitiva, a liberdade é perspectivada como a ausência de obstáculos à iniciativa individual na concretização de um projecto e na aquisição de bens. Nesta cultura "libertária" vale a lei do mais forte, do mais inteligente, hábil, bem relacionado e vocacionado para o "sucesso". Há vencedores e vencidos. De certo modo, é o regresso à lei da selva. Embora, mesmo na selva consigamos imaginar alguma forma de cooperação para aumentar as probabilidades de sobrevivência. Ora, na nossa cultura actual, a cooperação surge dentro de grupos de "vencedores" e, por consequência, entre grupos de "vencidos", mas raramente entre "vencedores" e "vencidos" e mesmo nesta é porque favorece os "vencedores". 
Esta é a cultura actualmente valorizada e promovida no país. Exemplo de uma consequência na Educação: voltámos a verificar os preconceitos de antigamente, há os filhos de classes privilegiadas e os outros, há os que frequentam escolas privadas e financiadas pelo Estado e os outros que frequentam a escola pública. O "bullying" e as praxes, o poder do mais forte sobre o mais fraco, o culto do herói, é um dos sinais que identifica esta organização social e é a anulação da empatia e da possibilidade de convivência social saudável.
Se quisermos analisar esta organização "libertária" da sociedade de forma aprofundada, iríamos descobrir que os mais fortes são afinal os mais frágeis pois dependem daqueles que conseguem dominar. É um paradoxo que alguns aproximam do síndrome de Estocolmo, mas que me parece mais próximo da explicação
de "conformismo" de Arno Gruen. Pensamos que precisamos de líderes fortes, os "falsos deuses", e acabamos por ser as suas principais vítimas.




2 - Numa sociedade democrática, a liberdade é um valor muito semelhante ao equilíbrio, à capacidade de adaptação, que se vai aprendendo à medida que se vai adquirindo alguma autonomia individual e consciência de grupo, de comunidade. A liberdade não é um conceito rígido em que vale tudo, mas um constante diálogo entre indivíduos e grupos numa comunidade. A cultura dominante é o respeito por todos e por cada um, e a protecção dos mais frágeis.
A capacidade fundamental é a da socialização equilibrada e saudável, em que a violência é penalizada firmemente.
Esta forma de organização social, cujo ideal é o da democracia participativa, exige muito mais responsabilidade de cada um e da comunidade, e implica uma educação para a cidadania desde a infância. A melhor forma de preparar as crianças e jovens para uma sociedade democrática é facilitar a sua autonomia progressiva até ao ponto de poder analisar e perspectivar o mundo de forma própria e consciente.
Esta é a organização que permite uma vida mais gratificante para todos os elementos de uma comunidade, porque ninguém é deixado de fora. Também me parece a organização mais viável e sustentável, termos hoje tão utilizados de forma desviante, isto é, que promove precisamente os desequilíbrios. Ora, só é sustentável o que é viável.





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