terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A cultura do objecto

Para exemplificar o que entendo por cultura do objecto, a cultura dominante actualmente, escolho a importância atribuída no país pelos partidos políticos da esquerda, surpreendentemente, ao episódio do cancelamento da venda dos quadros de Miró em leilão.
A questão da posse dos quadros é uma prioridade na cabeça destas personagens. É precisamente esta organização mental que eu considero a cultura do objecto. Por um objecto, coisas, são capazes de acorrer ao fim do mundo se for preciso e mostrar o seu ar pesaroso na televisão, mas são incapazes de mexer um dedo ou de prestar um mínimo de atenção quando se trata de pessoas concretas e as suas vidas.

Para a cultura do objecto, a cultura é apenas objectos, coisas, e esses objectos e coisas são avaliados no mercado a que chamam arte. Arte, para a cultura do objecto, são objectos e coisas. E onde é que devem estar estes objectos e coisas? Em museus para atrair turistas. Cultura resume-se a isso.

Hoje, com as tecnologias a que muitos têm acesso, a arte tornou-se imaterial, podemos entrar num museu virtual e saber tudo sobre uma determinada "obra de arte".
Além disso, a arte já saiu há muito do espaço fechado do mercado dos objectos e das coisas, adquiriu uma dimensão cultural muito mais abrangente. A arte-cultura saiu dos museus e das bibliotecas fechadas.
O turismo dos museus cabe no país pós-troika pelos vistos também idealizado pelos partidos políticos da esquerda. O país do turismo de museu. Também a Grécia esgotou esse modelo, a Itália idém aspas.

A cultura do séc. XXI é a cultura do imaterial, por um lado, e da criatividade viva, por outro. A cultura é cada vez mais entendida na dimensão da interacção das pessoas entre si, das pessoas e os espaços, das pessoas e os objectos.

Este episódio da salvação dos quadros de Miró in extremis esclareceu-me sobre o longo percurso que ainda temos de trilhar como país. Saltando a questão da precipitação e irregularidades administrativas, não me causa qualquer incómodo ver os quadros traduzidos no seu valor mercantil uma vez que os contribuintes entram com 7 mil milhões de euros no buraco do BPN. 
E essa converseta de ser um valor mesquinho só me provoca alergias. Este argumento é utilizado também para as fundações, as reformas chorudas, os assessores, os deputados. Mesquinho, Ex.cias, é retirar às famílias o equivalente a esse valor para financiar manobras eleitorais que ainda por cima são aventureiras, sim, refiro-me à saída à irlandesa.

Mas ainda há mais sobre a cultura do objecto: além desta lista de prioridades da cultura do objecto e da sua noção pueril de cultura, esta organização mental atribui às pessoas um valor material. Já devem ter ouvido avaliações do género: fulano a vale x milhões; fulana b vale y milhões. Tudo é avaliado desta forma na cultura do objecto. É um mercado onde tudo tem um valor mercantil.

Espero ainda ver emergir a cultura da vida e da criatividade, em que nada pode ser reduzido a um valor associado nem ser trocado no mercado global. A vida não tem preço associado. A criatividade não tem preço associado.

E para desanuviar deste episódio revelador da cultura dominante no país, um western com Dana Andrews e Susan Hayward, a lembrar-nos que há valores mais importantes do que o valor mercantil:








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