Elysium não nos surge com um filme preocupado com a linguagem cinematográfica mas com a mensagem. E a mensagem é directa, clara, forte:
- as questões ambientais: uma Terra devastada, árida, poluída, de cidades sem as condições básicas da vida: qualidade do ar e da água, da habitação, de higiene, de saúde, da educação, do trabalho. As cidades são caóticas, o pó eleva-se nas ruas, imaginamo-nos numa zona esquecida de um país da América do Sul;
- a distância enorme entre os muito ricos (muito poucos) e os muito pobres (todos nós), entre o céu (Elysium) e o inferno (a Terra);
- a questão dos refugiados (todos nós);
- a cidadania, o acesso à saúde e à qualidade de vida (dos muito poucos);
- as novas tecnologias ao serviço dos cidadãos (os muito poucos);
- as indústrias poluentes e tóxicas (a operar na Terra);
- os terroristas, aqui ao serviço do poder (informal, não reconhecido oficialmente) de Elysium;
- os hackers, que aqui funcionam como agentes libertários e com consciência humana.
Os momentos mágicos do filme coincidem com o seu início e o fim, precisamente, e isto é raro nos filmes actuais que começam inspirados e acabam na mediocridade. Isso não acontece aqui. Um miúdo sonha um dia ir para lá, Elysium (o céu) e já lá, é essa a última imagem que o cérebro retém, e a premonição da personagem maternal: Vais fazer alguma coisa de extraordinário no mundo.
Outro recurso do filme que funciona muito bem, as línguas e os sotaques das personagens, a corresponder à cultura de base que representam:
- A Secretária de Defesa (responsável pela protecção de Elysium) é francesa, remetendo-nos de imediato para a cultura da elite dos muito ricos em França (divisão, classismo, preconceito, ausência de empatia e de consciência humana);
- a personagem maternal (freira) é sul americana, representando aqui o afecto, a empatia, a cultura comunitária e de colaboração;
- o nosso herói é um americano que absorveu a cultura de cidadão, sem saber que essa cidadania não serviria na sua pele de rebelde;
- o terrorista que executa serviços não oficiais para a Secretária de Defesa parece de origem boer (África do Sul do Apartheid) a que se junta uma miscelânea de línguas e sotaques dificilmente identificáveis;
- os hackers são internacionais e aqui surge-nos uma cultura mista de sobrevivência oportunista (preparam, e lucram com isso, viagens clandestinas de refugiados, pagas a peso de ouro, para Elysium).
Implícita fica outra mensagem, uma crítica à cultura pueril e profundamente egoísta dos cidadãos de Elysium: as casas reproduzem as mansões das celebridades actuais, com as suas piscinas, a suas amplas entradas, uma excentricidade imoral em termos de espaço e gastos energéticos. A sua vida quotidiana parece resumir-se a actividades de lazer, financiada com o trabalho dos refugiados (na Terra) e dos robots e das novas tecnologias, como a máquina da saúde (no céu). Esta visão de gente inútil e superficial contrasta, como um grito, com os hospitais da Terra sem condições nem pessoal, as fábricas sem protecção nem segurança, o desespero dos viajantes clandestinos, as crianças a correr nas ruas poeirentas.
Matt Damon é um dos poucos actores americanos que dá credibilidade e verosilhança ao papel do homem comum, o cidadão do mundo com que nos podemos identificar. Talvez porque seja essa a sua natureza, a que se sobrepõe à personagem, uma consciência humana, inteligente, rebelde, interventiva.
Post publicado no Rio sem Regresso.
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