quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A cultura da morte

Vivemos num mundo estranho em que a ficção se mistura com a realidade e tudo se assemelha a um guião de um filme previamente escrito.
As populações seguem esse guião obedientemente, sem reflectir no papel que lhes e atribuído.
Para encontrarmos algum sentido, alguma lógica nas informações que vamos ouvindo e vendo, temos de estar atentos aos pequenos pormenores. Mas mesmo assim tudo nos parece irreal.

Como conciliar por exemplo:
- o jornal satírico já tinha sido vítima de um atentado à bomba e recebido várias ameaças e, por esse facto, as instalações do jornal tinham direito a guarda policial;
o cartoonista desafia o destino com uma provocação sobre um possível atentado ainda em Janeiro;
- os serviços secretos franceses andavam a vigiar os movimentos destes dois terroristas há já algum tempo.

Apesar de nos ser dito que muitos atentados são evitados pela intervenção dos serviços policiais, a verdade é que este atentado estava já anunciado e era quase uma certeza esperada, pelo menos pelo cartoonista principal.
O que mais me incomoda é a morte dos mártires involuntários. Os mártires voluntários levam sempre atrás de si a morte evitável de outros, os que querem viver.

Neste mundo estranho vivemos o culto da cultura da morte, o fascínio pela violência, seja a das armas, seja a das palavras, seja a das imagens.
Lembro-me bem das anedotas sobre a fome em África, como se fosse tema sobre o qual é possível ironizar.
Assim como não é possível ironizar sobre o terrorismo, os fanáticos, os psicopatas.

Hoje vemos que não são os elementos supostamente mais informados e mais cultos de uma sociedade que se comportam como modelos de tolerância e democracia, mas sim as pessoas comuns, as pessoas simples.
A verdadeira cidadania implica uma responsabilidade relativamente às diferenças culturais e uma rejeição de toda a violência verbal ou comportamental.

O que está a acontecer em França lembra-me o filme Babel em que as elites sociais, as instituições, as organizações, são muitas vezes os elementos perturbadores, ao criar divisões e conflitos, enquanto as populações conseguem gerir mais facilmente as diferenças culturais.
É que afinal somos todos o reflexo uns dos outros neste multifacetado rosto humano, em que nos reconhecemos como parte de uma mesma humanidade.







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